domingo, 23 de março de 2025

«Booker Prize em 2024, “Orbital”, de Samantha Harvey, é um pequeno romance gigantesco sobre o nosso lugar no universo»

 


«Seis astronautas orbitam a Terra a bordo de uma nave espacial, a fim de recolher dados meteorológicos e de realizar experiências científicas. Acima de tudo, porém, observam. Juntos, contemplam o nosso silencioso planeta, que lhes oferece, tudo no simples passar de um dia, um espetáculo infinito, uma de beleza de cortar a respiração.
Contudo, mesmo tão distantes do mundo, os seis astronautas não conseguem escapar à sua constante influência. Chegam notícias da morte de uma mãe, trazendo pensamentos de regresso e de saudades de casa. A fragilidade da vida humana torna-se um tema central nas suas conversas, nos seus medos e nos seus sonhos.
Apesar de tão longe da Terra, nunca antes se haviam sentido tão protetores dela, tão parte dela. Começam a refletir: o que será a vida sem a Terra? O que será a Terra sem a humanidade?». Saiba mais. 

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Sobre o livro no Semanário Expresso (14 mar 2025)
 de José Mário Silva:
 «Uma ode à Terra
Booker Prize em 2024, “Orbital”, de Samantha Harvey, é um pequeno romance gigantesco sobre o nosso lugar no universo

Excerto: «(...) Como no interior da Estação Espacial Internacional (EEI) não acontece nada de anormal, ou inesperado, apenas a convivência tranquila dos seus tripulantes, a tensão narrativa nasce de dois acontecimentos paralelos, contemplados à distância: por um lado, o crescimento assustador de um supertufão, no Pacífico, que ameaça destruir arquipélagos inteiros e as costas da Ásia; por outro, a viagem simultânea de quatro astronautas em direção à lua, onde irão deixar as primeiras pegadas em mais de cinco décadas. Um e outro são pretextos para reflexões sobre o impacto da “avidez” humana no nosso planeta (as alterações climáticas) e sobre o futuro da exploração espacial (até onde conseguiremos ir?), mas o foco nunca deixa de estar na experiência da vida a bordo da EEI.

Mais do que contar uma história, ou um mosaico de histórias, Harvey quer colocar-nos, a nós leitores, no centro de uma experiência que nunca poderemos ter: a de viver sem gravidade, na fronteira da esfera terrestre, pairando sobre a beleza avassaladora do nosso planeta. O triunfo maior deste livro é o de encontrar formas de descrever o indescritível, de dizer o indizível, de fazer uma ode à Terra, que alguém compara a “um poema épico de versos cadenciados” — ideia com que a autora parece concordar, ou não fosse através da linguagem lírica, inventada e reinventada a cada passo, que procura captar o poder das imagens que silenciam os seus astronautas.

Um exemplo, entre muitos: “É África a repicar de luz. Quase se consegue ouvir, aquela luz, dentro da nave. Os íngremes desfiladeiros radiais da Gran Canária empilham-se pela ilha acima como um castelo de areia feito à pressa, e quando a cordilheira do Atlas anuncia o fim do deserto, as nuvens surgem na forma de um tubarão cuja cauda se agita ao encontro da costa sul de Espanha, com a ponta da barbatana a cutucar o sul dos Alpes, e o focinho não demorará a mergulhar no Mediterrâneo. A Albânia e o Montenegro têm montanhas de veludo.” E mesmo quando a escuridão da noite cobre grandes porções da quase esfera, ainda há lampejos espantosos: “Onde quer que se esteja acima da Terra, vê-se sempre algures a palpitação suave e errática de relâmpagos. Uma flor azul com laivos de prata a abrir-se e a fechar-se, elétrica e silenciosa.”

Na estação espacial, o dia termina como começou, ouvimos os ecos da tragédia provocada pelo supertufão, sabemos que a data é histórica, porque a humanidade vai voltar a pisar a lua, e os seis astronautas da EEI um dia poderão dizer que contribuíram para esse momento como mais um elo na longa cadeia da exploração espacial, mesmo se apenas se limitaram a seguir instruções, a cumprir tarefas preestabelecidas, um trabalho quase banal, como o do carpinteiro que faz uma mesa, trabalho em que reverbera, ainda assim, muito do esplendor a que foram assistindo ao espreitar pelas escotilhas».


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