domingo, 26 de agosto de 2018

«CONDOMÍNIO TERRA»




CONDOMÍNIO TERRA
Chama-se Casa Comum da Humanidade e é um projeto pioneiro de governação global dos recursos naturais do planeta — liderado por Portugal. Na base está um novo sistema de contabilidade ambiental e económica que compensa quem conserva e valoriza a Natureza e penaliza quem a destrói
TEXTOS VIRGÍLIO AZEVEDO
(...) A CCH é uma organização internacional que pretende promover o reconhecimento do Sistema Terrestre no ordenamento jurídico internacional através da sua candidatura a Património Natural Intangível da Humanidade da ONU. Propõe um modelo de governação mundial dos recursos naturais que salvaguarde o Espaço de Operação Segura da Terra, baseado num sistema de contabilidade ambiental e económica que monitorize e proteja este espaço. E que compense quem o conserva e valoriza de forma sustentável e penalize quem o destrói.
(...)
CRIAR UMA CONTABILIDADE DO SISTEMA TERRESTRE
A Casa Comum da Humanidade implica também a criação de uma contabilidade do Sistema Terrestre baseada nos Limites do Planeta, uma contabilidade ambiental e económica integrada que favoreça um modelo socioeconómico onde a manutenção do Espaço de Operação Segura é sinónimo de benefícios económicos e de aumento do bem-estar social. Tudo isto requer a fixação das chamadas Quotas Planetárias – uma forma de transpor os Limites do Planeta para um conjunto de indicadores aplicáveis a qualquer escala da atividade humana – e a medição do uso e da valorização dos serviços prestados pelos ecossistemas. Esta valorização só será possível se a existência destes serviços for legalmente reconhecida pela sociedade no contexto de um novo património comum.
“Todos sabemos que o valor de uma floresta é muito superior ao valor da sua madeira”, exemplifica Paulo Magalhães. “No entanto, essa floresta só é contabilizada no PIB de um país no dia em que é cortada e transformada em madeira, o que significa que a sociedade não reconhece juridicamente o trabalho intangível da Natureza (retenção do dióxido de carbono, fixação de água no solo, conservação da biodiversidade, etc.), isto é, continua a considerar como externalidades económicas os fatores de que os seres humanos mais dependem para viver”. Em economia as externalidades são as consequências positivas ou negativas sobre terceiros que não são tidas em conta por quem produz ou consome bens e serviços.
O investigador da Universidade do Porto recorda que “sem o reconhecimento legal dos direitos de autor a partir do início do século XVIII, não teríamos a sociedade do conhecimento que temos hoje”. A divisão entre a ideia do autor – um bem intangível — e o livro onde essa ideia está gravada — um bem tangível — foi a solução jurídica que o permitiu. “E atualmente ninguém contesta que além do livro que temos numa estante, existe um direito relativamente à ideia que está ali gravada e que permanece na esfera jurídica do autor, que dá origem a um dever de compensação económica”.
No caso do ambiente, “parece evidente que sem fazermos o mesmo tipo de divisão entre a estrutura ecológica tangível de um ecossistema e os serviços intangíveis que presta, estaremos condenados à cegueira de não incluirmos na economia o que realmente nos interessa e suporta todas as formas de vida na Terra, o trabalho da Natureza”. No exemplo da floresta é necessário que esse trabalho seja socialmente reconhecido “e exista de forma independente da estrutura ecológica que o produziu, ou seja, que não seja confundido com essa estrutura”.
O cientista italiano que coordena a nível internacional a Iniciativa Casa Comum da Humanidade (CCH), Alessandro Galli, defende que a criação de uma contabilidade da Terra “deve basear-se no trabalho recente desenvolvido à volta do Sistema de Contabilidade Ambiental e Económica das Nações Unidas (SEEA), e idealmente deve ser conduzida em colaboração com a própria ONU e com governos nacionais, de modo a assegurar um clima de confiança e uma aceitação pelos Estados de um sistema contabilístico funcional”. Galli assinala que o projeto da CCH “está a tentar construir pontes, a juntar a melhor ciência e conhecimento em campos muito diferentes — direito, ciências da Terra, contabilidade de recursos, avaliação do capital natural — para oferecer uma visão mais compreensível e interdisciplinar”.erva e valoriza de forma sustentável e penalize quem o destrói. (...)
Recortes do artigo publicado no semanário Expresso de 28 Julho 2018

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