«Seis astronautas orbitam a Terra a bordo de uma nave espacial, a fim de recolher dados meteorológicos e de realizar experiências científicas. Acima de tudo, porém, observam. Juntos, contemplam o nosso silencioso planeta, que lhes oferece, tudo no simples passar de um dia, um espetáculo infinito, uma de beleza de cortar a respiração.
Contudo, mesmo tão distantes do mundo, os seis astronautas não conseguem escapar à sua constante influência. Chegam notícias da morte de uma mãe, trazendo pensamentos de regresso e de saudades de casa. A fragilidade da vida humana torna-se um tema central nas suas conversas, nos seus medos e nos seus sonhos.
Apesar de tão longe da Terra, nunca antes se haviam sentido tão protetores dela, tão parte dela. Começam a refletir: o que será a vida sem a Terra? O que será a Terra sem a humanidade?». Saiba mais.
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Sobre o livro no Semanário Expresso (14 mar 2025)
de José Mário Silva:
«Uma ode à Terra
Booker Prize em 2024, “Orbital”, de Samantha Harvey, é um pequeno romance gigantesco sobre o nosso lugar no universo
Excerto: «(...) Como no
interior da Estação Espacial Internacional (EEI) não acontece nada de anormal,
ou inesperado, apenas a convivência tranquila dos seus tripulantes, a tensão
narrativa nasce de dois acontecimentos paralelos, contemplados à distância: por
um lado, o crescimento assustador de um supertufão, no Pacífico, que ameaça
destruir arquipélagos inteiros e as costas da Ásia; por outro, a viagem
simultânea de quatro astronautas em direção à lua, onde irão deixar as
primeiras pegadas em mais de cinco décadas. Um e outro são pretextos para
reflexões sobre o impacto da “avidez” humana no nosso planeta (as alterações
climáticas) e sobre o futuro da exploração espacial (até onde conseguiremos
ir?), mas o foco nunca deixa de estar na experiência da vida a bordo da EEI.
Mais
do que contar uma história, ou um mosaico de histórias, Harvey quer
colocar-nos, a nós leitores, no centro de uma experiência que nunca poderemos
ter: a de viver sem gravidade, na fronteira da esfera terrestre, pairando sobre
a beleza avassaladora do nosso planeta. O triunfo maior deste livro é o de
encontrar formas de descrever o indescritível, de dizer o indizível, de fazer
uma ode à Terra, que alguém compara a “um poema épico de versos cadenciados” —
ideia com que a autora parece concordar, ou não fosse através da linguagem
lírica, inventada e reinventada a cada passo, que procura captar o poder das
imagens que silenciam os seus astronautas.
Um
exemplo, entre muitos: “É África a repicar de luz. Quase se consegue ouvir,
aquela luz, dentro da nave. Os íngremes desfiladeiros radiais da Gran Canária
empilham-se pela ilha acima como um castelo de areia feito à pressa, e quando a
cordilheira do Atlas anuncia o fim do deserto, as nuvens surgem na forma de um
tubarão cuja cauda se agita ao encontro da costa sul de Espanha, com a ponta da
barbatana a cutucar o sul dos Alpes, e o focinho não demorará a mergulhar no
Mediterrâneo. A Albânia e o Montenegro têm montanhas de veludo.” E mesmo quando
a escuridão da noite cobre grandes porções da quase esfera, ainda há lampejos
espantosos: “Onde quer que se esteja acima da Terra, vê-se sempre algures a
palpitação suave e errática de relâmpagos. Uma flor azul com laivos de prata a
abrir-se e a fechar-se, elétrica e silenciosa.”
Na
estação espacial, o dia termina como começou, ouvimos os ecos da tragédia
provocada pelo supertufão, sabemos que a data é histórica, porque a humanidade
vai voltar a pisar a lua, e os seis astronautas da EEI um dia poderão dizer que
contribuíram para esse momento como mais um elo na longa cadeia da exploração
espacial, mesmo se apenas se limitaram a seguir instruções, a cumprir tarefas
preestabelecidas, um trabalho quase banal, como o do carpinteiro que faz uma
mesa, trabalho em que reverbera, ainda assim, muito do esplendor a que foram
assistindo ao espreitar pelas escotilhas».